A PIPOCA
(Rubem Alves)
Nunca imaginei que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. A pipoca, milho, mirrado, grãos redondos e duros, me pareceu uma simples molecagem, brincadeira. Algo inesperado na minha vida aconteceu. Um bom pensamento nasce como pipoca que estoura, de forma inesperada e imprevisível.
A pipoca é um milho mirrado, subdesenvolvido. Fosse eu agricultor ignorante e se no meio de meus milhos graúdos aparecessem aquelas espigas nanicas, eu ficaria bravo e trataria de me livrar delas. O fato é que houve alguém que teve a idéia de debulhar as espigas, colocá-las numa panela e depois o extraordinário aconteceu: os grãos duros quebra-dentes se transformaram em flores brancas e macias que até as crianças podiam comer.
A transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação por que devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo. Quem não passa pelo fogo, fica do mesmo jeito a vida inteira. São pessoas de uma mesmice, de uma dureza assombrosas. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser! Mas de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor. Pode ser fogo ou fogo de dentro. Há sempre o recurso aos remédios. Apagar o fogo. Sem o fogo, o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação.
Em Minas, todo mundo sabe o que é piruá. Piruá é o milho de pipoca que se recusa a estourar. O poder metafórico dos piruás é muito maior... Piruá são aquelas pessoas que por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar.
Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem. Ignoram o milagre do milho da pipoca!
É preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro.
"Morre e transforma-te", dizia Goethe .
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